O Imposto de Renda das pessoas físicas tem um ponto que é motivo de preocupação de muita gente: a movimentação bancária.
Isto porque, no mundo atual, em que o dinheiro de papel vem sumindo do mercado, e, cada vez mais, as transações eletrônicas são mais frequentes.
E nessas operações a movimentação de valores em conta corrente acaba sendo mais frequente e em volume maior do que aquilo que efetivamente representa a disponibilidade financeira do contribuinte.
Tantos são as situações em que emprestamos um dinheiro para um amigo/familiar, e depois recebemos de volta.
Tantas são as operações que cada vez é mais difícil é controlar as entradas e saídas.
Mas movimentação bancária nunca poderá ser considerada renda do contribuinte. Isto porque movimentação bancária não é fato gerador do imposto de renda.
Segundo o art. 43, do CTN:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
E aqui se fez questão de grifar as expressões acima destacadas, eis que fundamentais para análise da questão que se apresenta.
Para verificação da hipótese de incidência é imprescindível que haja disponibilidade jurídica e que haja acréscimo patrimonial.
Ora, disponibilidade jurídica quer dizer que o titular possa dispor de algo e dispor de algo significa que aquilo lhe pertence.
Assim para que haja renda sujeita à tributação é imprescindível que haja disponibilidade jurídica.
Se o contribuinte não pode dispor do dinheiro como lhe convier não há disponibilidade jurídica.
E por essa razão está afastada a incidência tributária, pois o dinheiro não lhe pertence.
Essa é uma prática muito comum, diga-se de passagem.
O outro ponto indispensável para verificação da hipótese de incidência do IRPF é que haja acréscimo patrimonial.
Não são tributados o decréscimo patrimonial e/ou a equivalência patrimonial de um ano para outro.
É fundamental que haja o acréscimo patrimonial. Sem acréscimo, não há que se falar em imposto de renda.
Deste modo, não basta uma movimentação financeira em conta bancária para configurar o fato gerador do imposto de renda.
Veja o que ensina Leandro Paulsen, sobre o tema:
Disponibilidade econômica ou jurídica.
Sendo fato gerador do imposto a
“aquisição da disponibilidade econômica
ou jurídica de renda ou proventos de
qualquer natureza”, não alcança a “mera
expectativa de ganho futuro ou em
potencial”. Tampouco configura
aquisição da disponibilidade econômica
ou jurídica de renda ou proventos a
simples posse de numerário alheio.
Ignorar este fato é violar aquilo que a lei determina que é e o que não é fato imponível.
Movimentação bancária não é e nem nunca foi fato gerador do imposto de renda, tanto que são inúmeros os julgados ao longo da construção jurisprudencial nacional neste sentido.
O que culminou, inclusive, com a súmula n. 182, do extinto Tribunal Federal de Recursos: “É ilegítimo o lançamento do Imposto de Renda arbitrado com base apenas em extratos ou depósitos bancários.”
A referida súmula resume todo o debate que já se enfrentou ao longo do tempo sobre o tema, principalmente com base na definição do fato gerador trazido pelo Art. 43, do CTN.
E nessa linha de raciocínio é incompatível com o ordenamento jurídico em vigor o art. 42, da Lei n. 9.430/96, que presume a ocorrência do fato gerador com o simples ingresso em conta corrente do titular, cuja origem não se comprovar.
Não existe fato gerador presumido. É como presumir a ocorrência de um crime e punir o suspeito.
Mas assim como a inocência presumida, não se pode presumir que o ingresso de recurso em conta de depósito seja fato gerador de tributo.
O ingresso de recurso não presume acréscimo patrimonial, nem mesmo disponibilidade jurídica do dinheiro.
Ademais, o CTN ao tratar do lançamento tributário, no art. 142, determina que o lançamento é o ato tendente a verificar a ocorrência do fato gerador e determinar a matéria tributável.
Ora, se o lançamento é realizado pela autoridade fiscal, o ato de lançar exige de si o ônus da prova, pois incumbe ao fisco o ato de VERIFICAR a ocorrência do fato gerador.
Se não foi verificado, não se pode presumi-lo, como o simples propósito arrecadatório.
O art. 142, do CTN atrai o ônus da prova ao fisco e não ao contribuinte.
E por isso o art. 42, da Lei n. 9.430/96 é absolutamente incompatível com o ordenamento, pois transfere ao contribuinte o dever de comprovar a origem do recurso, o que não se pode admitir em nenhuma hipótese.
Não se pode deixar de mencionar, ainda, em decorrência da busca arrecadatória que o acesso aos dados de extratos bancários importa em violação ao sigilo fiscal do contribuinte.
Isso porque resta caracterizada a quebra de sigilo bancário, violando a intimidade, a vida privada e as garantias constitucionais do Recorrente.
Muito se lutou pela construção do Estado de Direito, que após muita luta surgiu em 1988, com a CRFB, que estabeleceu Cláusulas Pétreas e garantias fundamentais aos administrados.
Dentre elas está o sigilo de dados, como forma de assegurar a vida privada e frear abusos e violações ao indivíduo.
O Art. 5°, XII, da CF, traz:XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso,
por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que
a lei estabelecer para fins de investigação
criminal ou instrução processual penal;
É INVIOLÁVEL.
A única hipótese em que se admite a violação, que é exceção trazida pela própria regra e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, no último caso, por ordem judicial.
E assim como é inviolável, é inadmissível a relativização dessa garantia constitucional, seja sob o argumento de transferência do dever de sigilo, ou sob o argumento do interesse arrecadatório em preservação do interesse coletivo.
Ora, que finalidade teria a quebra de sigilo bancário se o extrato bancário, isoladamente, não é suficiente para autuar o contribuinte.
Relativizar o sigilo de dados sob o argumento de que se trata de transferência do dever de sigilo é esfaquear a segurança jurídica, violando a vida privada do indivíduo.
Ademais, a relação jurídico tributária é composta pelo sujeito ativo, que é sempre o fisco/poder público e o sujeito passivo, que é o contribuinte.
E assim sendo admitir a “transferência” do sigilo é dar privilégio ao Estado que é parte na relação.
Não é o contribuinte que está a serviço do Estado, mas ao contrário é o Estado que está a serviço do contribuinte.
E com todas essas inversões de valores e conceitos as maiores atrocidades jurídicas vêm ocorrendo, esquecendo-se de colocar cada um em seu devido lugar.
Ao Estado compete fiscalizar e cobrar os impostos devidos pelo contribuinte, o que é seu dever, mas ao Estado só é lícito agir com base no princípio da legalidade, ou seja, só pode fazer aquilo que a lei permite.
O grande problema é que as pessoas envolvidas na administração pública, criam novas leis para permitir suas atuações, segundo seus interesses. Mas esqueceram-se do sistema jurídico constitucional trazido em 1988.
E por esse esquecido Sistema a Constituição é superior às leis, de modo que estas devem se adequar àquela, não o contrário.
Permitir a violação de dados por quem é parte na relação jurídica é dar privilégio a quem não deveria ter, porque, repita-se, é o Estado quem está a serviço do contribuinte, não o contrário.
Artigo escrito por Frederico Karam Aebi de Souza,
15/04/2024
15/04/2024
Artigo escrito por Frederico Karam Aebi Souza Barbosa .