Por: Luiz Felipe Ramos Moraes
Com a abertura da sucessão, em razão do falecimento da pessoa humana, ocorre a transmissão imediata aos herdeiros legítimos e testamentários, conforme o princípio da saisine, previsto no artigo 1.784 do Código Civil.
Forma-se, então, um condomínio pro indiviso, ou seja, quando o acervo hereditário não possui divisão física entre os condôminos, tendo cada coerdeiro uma fração ideal dos bens, exercendo a composse.
A copropriedade atinge frequentemente uma realidade fática na qual apenas um dos herdeiros assume a posse direta e exclusiva de determinado bem, por muitas vezes imóvel, responsabilizando-se por sua manutenção, conservação e pelos encargos a ele inerentes.
É nesse ponto que surgem inúmeras dúvidas e discussões jurídicas quanto a possibilidade (ou não) da mudança da posse exclusiva de um herdeiro para a propriedade integral do bem através do instituto da usucapião.
Assim, a fim de sedimentar o entendimento acerca do tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), exercendo sua função de uniformizador a interpretação da legislação infraconstitucional, pacificou o entendimento de que é possível a usucapião por um coerdeiro, desde que demonstrada a inversão do caráter da posse para a propriedade.
O principal precedente sobre o tema é o REsp 1.631.859/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que delineou os contornos para essa possibilidade.
De acordo com a Colenda Corte Superior, para que um herdeiro possa usucapir um imóvel em detrimento dos demais, é imprescindível a comprovação de alguns requisitos, são eles: a posse exclusiva do imóvel, a intenção de ser dono, a inércia e ausência de oposição pelos demais herdeiros e o cumprimento do prazo estabelecido em lei.
A posse exclusiva exige mais do que a mera utilização do imóvel. O herdeiro que pretendente a usucapião deve demonstrar que exerceu a posse de forma exclusiva, ou seja, afastando qualquer ato possessório dos demais coerdeiros. Isso implica em não haver compartilhamento do uso, gozo e fruição do bem.
A intenção de ser dono, animus domini, trata-se de um requisito subjetivo crucial, isto porque o possuidor deve agir como se fosse o único proprietário do imóvel, praticando atos de domínio que demonstrem e torne notório essa intenção.
Atos como o pagamento de impostos, a realização de benfeitorias necessárias e úteis, a celebração de contratos relacionados ao imóvel, como locação do imóvel sem a anuência dos demais herdeiros, e a defesa da posse contra terceiros são exemplos que evidenciam o animus domini.
A posse deve ser mansa e pacífica. Assim, a inércia dos outros coerdeiros em reivindicar seus direitos sobre o imóvel durante todo o lapso temporal da usucapião é um fator determinante.
Qualquer ato de oposição, como uma notificação extrajudicial ou o ajuizamento de uma ação possessória ou petitória, interrompe o prazo prescricional aquisitivo para a usucapião.
O herdeiro deve preencher o lapso temporal previsto em lei para a modalidade de usucapião almejada, seja ela extraordinária (quinze anos ou dez se houver moradia habitual ou obras de caráter produtivo, conforme o artigo 1.238 do Código Civil) ou ordinária (dez anos, mediante justo título e boa-fé, nos termos do artigo 1.242 do mesmo diploma legal), dente outras.
No julgamento do AgInt no AREsp 2.355.307-SP, o STJ reafirmou que “o herdeiro que tem a posse exclusiva de imóvel objeto de herança possui legitimidade e interesse na declaração de usucapião extraordinária em nome próprio.”
A doutrina contemporânea se encontra em consonância com o posicionamento do STJ, tendo em vista o princípio da função social da propriedade, previsto no artigo 5º, XXIII da Constituição Federal.
Para o jurista Flávio Tartuce, a inércia prolongada dos demais herdeiros, que não exercem qualquer dos poderes inerentes à propriedade, configura um abandono do bem. Por outro lado, a conduta do herdeiro que confere destinação econômica e social ao imóvel, arcando com seus custos e conservando-o, deve ser prestigiada pelo ordenamento jurídico. A usucapião, nesse caso, funciona como um instrumento de concretização da função social da posse.
No mesmo sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald sustentam que a composse entre herdeiros não é um óbice intransponível à usucapião. Para os autores, a partir do momento em que um dos condôminos passa a exercer a posse exclusiva e com animus domini, ocorre a inversão do título da posse, dando início à contagem do prazo para a prescrição aquisitiva.
Portanto, nota-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ao admitir a usucapião por herdeiro que exerce posse exclusiva e cumpre com os deveres de proprietário, representa um avanço significativo, uma vez que confere segurança jurídica a situações fáticas consolidadas pelo tempo, prestigia a função social da propriedade e da posse e desestimula a inércia e o abandono de bens.
A assunção dessas responsabilidades, que legalmente caberiam a todos os coproprietários, demonstra a intenção do herdeiro de se comportar como o único titular do direito de propriedade, ao passo que a omissão dos demais corrobora a sua inércia e desinteresse pelo bem.
Por fim, a decisão não representa uma supressão do direito de herança, mas sim um reconhecimento de que o exercício fático dos poderes inerentes ao domínio, de forma contínua, pacífica e com a intenção de ser dono, sobrepõe-se à titularidade formal e inerte dos demais coerdeiros. Trata-se da prevalência da realidade fática sobre a mera titularidade registral, em consonância com os princípios que norteiam o instituto da usucapião


