Um direito que desafia o tempo: a inocorrência da prescrição da partilha de bens segundo o STJ

Em recente e impactante decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe novos contornos a uma questão sensível e recorrente no direito de família: a partilha de bens após o fim de um casamento ou união estável.

 

No julgamento do Recurso Especial (REsp 1.817.812/SP), a Quarta Turma da Corte pacificou o entendimento de que o direito à divisão do patrimônio amealhado durante a vida conjugal não prescreve, podendo ser exercido a qualquer tempo, mesmo que décadas tenham se passado desde o divórcio.

 

A decisão estabelece uma importante exceção à regra geral da prescrição, que visa a garantir a segurança jurídica e a estabilização das relações sociais pelo decurso do tempo e representa um marco na proteção do direito de propriedade dos ex-cônjuges.

 

A controvérsia levada ao STJ teve origem em um processo de divórcio decretado em 1993, no qual o casal, que vivia sob o regime da comunhão universal de bens, não realizou a partilha do patrimônio. Mais de 20 anos depois, um dos ex-cônjuges ajuizou uma ação para requerer a sua meação sobre um imóvel adquirido na constância do casamento.

 

Nas instâncias inferiores, a discussão central girou em torno da ocorrência ou não da prescrição.

 

Em sede de primeira instância, a tese da prescrição foi acolhida, extinguindo-se o processo.

 

Contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença, afastando a prescrição e determinando o prosseguimento da ação de partilha. Inconformada, a parte ré interpôs o Recurso Especial, levando a questão ao STJ.

 

O julgamento do REsp 1.817.812/SP ocorreu em 3 de setembro de 2024, com acórdão relatado pelo Ministro Marco Buzzi.

 

A decisão da Quarta Turma foi unânime em negar provimento ao recurso, consolidando a tese da inocorrência da prescrição à partilha de bens.

 

O cerne da fundamentação do STJ para afastar a prescrição encontra-se na natureza jurídica do direito à partilha.

 

Segundo os ministros, não se trata de uma pretensão de cobrança de uma dívida, que se sujeitaria a um prazo para ser exercida. Em vez disso, o direito de partilhar os bens comuns é um direito potestativo.

 

Direitos potestativos são aqueles que não admitem contestação por parte da outra parte, que se encontra em um estado de sujeição.

 

No caso da partilha, uma vez dissolvido o vínculo conjugal, o patrimônio comum passa a ser um condomínio entre os ex-cônjuges. A extinção desse condomínio, por meio da partilha, pode ser requerida a qualquer tempo por qualquer um dos condôminos, não havendo que se falar em prazo para o exercício desse direito.

 

Para o STJ, enquanto não realizada a partilha, os bens permanecem em estado de mancomunhão e, posteriormente, sob as regras do condomínio. Assim, o direito de um ex-cônjuge à sua quota-parte do patrimônio não se extingue pela inércia, pois a propriedade é um direito que, em regra, não se perde pelo não uso.

 

Desse modo, o entendimento firmado no REsp 1.817.812/SP é hoje a diretriz principal para casos de partilha de bens pós-divórcio no Brasil.

 

A decisão oferece uma segurança significativa, especialmente para ex-cônjuges economicamente mais vulneráveis, que por diversas razões podem não ter buscado a divisão do patrimônio imediatamente após o término da relação.

 

Entretanto, é crucial destacar que a própria jurisprudência do STJ aponta para uma exceção a essa regra.

 

No REsp 1.660.947/TO, julgado pela Terceira Turma, a Corte admitiu a ocorrência da prescrição em uma situação fática distinta. Naquele caso, após uma longa separação de fato, os ex-cônjuges realizaram uma divisão amigável e informal dos bens, e cada um passou a exercer a posse exclusiva e sem oposição sobre a parte que lhe coube.

 

Nesse cenário específico, o STJ entendeu que a inércia do ex-cônjuge que se sentiu prejudicado por mais de 20 anos, somada à consolidação da situação fática da partilha informal, autorizava o reconhecimento da prescrição.

 

Outrossim, o uso exclusivo de um bem por um dos ex-cônjuges pode, a depender do caso, ser discutido em sede de indenização ou usucapião, o que não anula o seu direito à partilha de bens.

 

Portanto, a aplicabilidade do entendimento do REsp 1.817.812/SP é a regra geral nos casos em que não houve qualquer tipo de partilha, seja ela judicial ou extrajudicial ou com a transferência da posse exclusiva dos bens. A imprescritibilidade visa proteger o direito de propriedade que permanece em estado de condomínio, aguardando a sua formal extinção.

 

Em suma, a decisão do STJ no REsp 1.817.812/SP representa um avanço na proteção do direito patrimonial no âmbito familiar, garantindo que o lapso temporal, por si só, não seja um obstáculo para que cada um receba o que é seu de direito, reforçando a ideia de que a justiça, nesses casos, não tem prazo de validade.